Vou ali e não volto
Jana Aguiar

Cuida das crianças
Vou ali e não volto
Ele disse que emoldurava o sol pra eu colocar na sala de casa
Pendurei as mentiras na parede e saí
Na máscara descartável rasgo uma fenda com o dedo
E surge a língua que estava trancada num móvel esquecido
Aponto a pele de guerra e as unhas pálidas para o sol de verdade
Percebo que o dedo do meio ficou caído na cozinha daquela casa
A ferida é a obra de arte que realmente importa
NENHUM SANGUE É RUIM
Escrevo grande pra convencer os homens que só têm nãos na boca e nos punhos
Busco uma voz negra e um tambor para encontrar Deusa
Ao meio-dia paro de fugir das sombras e mastigo devagar os homens que fingem que respeitam
Mas a alegria deles é indisfarçável
Os ossos delas (e os meus) foram quebrados e o esqueleto continua em pé e sustenta o todo
Não foi fácil sair dali com dignidade
Busco uma música que nasça do som de um útero livre tocado com carinho
Um deus pequeno tenta me parar e desinfetar essas palavras
Alguém disposto a beijar os pés dos irmãos esquecidos na periferia?
Onde estão os revolucionários benfeitores das redes sociais?
ele não responde
Busco uma música que seja feita dos poemas na gaveta da mulher tímida mas não covarde
O medo é a crença no mal
Como as palavras do lado errado
Tornemo-nos selvagens
Porque o futuro nunca chega
foto: acervo pessoal da autora
Jana Aguiar nasceu em Jundiaí em 1977, é Escritora e Pesquisadora de Metodologias de Escrita Literária, atua como ghost-writer em sociedade na Gabinete Secreto, oferecendo serviços literários para pessoas físicas e jurídicas.

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